quinta-feira, 17 de março de 2011

Relatividade.

O colchão cedia devido ao peso -aquele que carregava por sobre os ombros-, que se intensificava quanto mais a hora da partida aproximava-se. Eu me recompunha aos poucos, peça a peça, como se esperasse continuar o sonho interrompido. Acomodei cada botão da camisa em sua respectiva casa, apertei bem o cinto (precisava de segurança) e o nó da gravata, por fim, estrangulou-me com a realidade: o beijo da despedida.
Ainda fiquei a encarar a porta, já fechada, por mais alguns segundos antes de ceder a sua afronta -bem sabia que ela não iria. A minha felicidade era feita em doses precisas, semanais; havia de me conformar. O caminho de volta servia-me como um balde de água fria, retirava-me da entorpecência.
Eram sempre os meus pés os únicos a caminharem sem pressa pela Avenida Paulista. O esforço de competir com a multidão não compensava o prêmio de chegar a casa um pouco mais cedo. Em meio ao fluxo de pedestres, a minha imparcialidade de movimentos deixava-me vulnerável: era carregado. Aprendi a ser passivo, precisava.
Sorrisos amarelecidos, o encostar forçado dos lábios e o tilintar dos talheres à mesa resumiam o que havia se transformado a minha vida conjugal. As refeições e a cama eram as únicas coisas de que ainda compartilhávamos - já não se notava a sincronia nem mesmo no apagar dos abajures. No anel dourado, que lacerava meu anelar, apenas restara melancolia, valor comercial e uma data falhada. A mentira o corroera, eu sabia.
Em verdade, a culpa fora mesmo do meu excesso de sinceridade -comigo mesmo. E por mais que a mentire existisse, eu sabia que era inocente: ela (a outra) era o meu cruzar de dedos.