terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Gradação.

Os pés pesavam no assoalho, arrastavam-se de forma irritante, como se assim pudessem evitar que o silêncio absoluto se instalasse. Jantava ao som do diálogo dos talheres, do engolir seco da comida com gosto de todo dia. Tossia sem vontade ou deixava escapar um suspiro proposital, só para confirmar se ainda tinha alguma voz dentro de si. “Meu dia foi bom” afirmava mentalmente. Embora não parecesse, somente uma das cadeiras ao redor da mesa estava vazia. E era ele, o vazio, o centro das atenções.

A porta do quarto rangia toda vez que era aberta -gostava daquele ruído inoportuno. Lia, lia com sede de palavras que falassem por ele sem precisarem ser ditas; ousava rabiscar algumas frases perdidas e sem sentido quando não as encontrava perdidas pelas páginas alheias. Ouvia música; gostava de ter a alma exposta, mesmo que a dele não fosse. Em meio ao silêncio disfarçado, protegido em seu refúgio, ele adormecia.

Uma mão afagaria-lhe os cabelos, recolheria seus livros caídos ao chão, devolveria o silêncio ao ambiente, instalaria o escuro acolhedor. Nunca soube se em sonho ou não, mas um beijo sempre lhe era depositado na testa. Aquele era o amor que conhecia : nas entrelinhas, o subentendido.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Chuvisca teu mantra na vidraça, ritma teus pingos contra o concreto. Levanta do chão o orvalho, escorre do céu, borra as estrelas. Dissolve também aquela nuvem negra...

Já que a lua escondeu-se traga então até mim o cheiro dessa noite que só pude ver passar da minha janela.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sujeito Oculto.

A porta está entreaberta; cansei da escuridão e do ar antigo que ainda respirava. Renovar o ambiente, trocar as energias, nada mais. Não espero ninguém e já aviso que odeio visitas surpresas –odeio estar desprevenida.
Não sejas então desagradável, não empeste o ar com esse cheiro: meus suspiros sempre foram dos mais sutis. Não perturba minha quietude que o novo ainda assusta, incomoda. Não vê esse escuro acolhedor e o silêncio tranquilizante? Seja silencioso....
Se ficas ou sais, não alardes; camufla-te no breu. Chega suave, sem pressa, sussurando: se for para eu arrepiar, eu prefiro não saber o motivo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Confissão. (Mario Quintana)

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Olha nos meu olhos úmidos, seu covarde, essas lágrimas escorrem por tua culpa. Há ácido diluído nelas, arde ao cair. Desinfla esse teu peito e assiste à vermelhidão do meu olhar, ao desaparecer do meu sorriso; foste tu o responsável. Escuta a rispidez das minhas palavras vomitadas, elas são fruto da minha decepção. Derruba, mas tenha a decência de admirar a queda e ouvir a crueldade no estilhaçar da alma. Observa-me enfincar a pá e agrupar os cacos, e não desvies do monte. Acompanha as minhas costas distanciarem-se a passos cambaleantes. É mais fácil manter a consciência limpa quando se desvia o olhar, né? Porém não há coragem alguma nisso, é ser fraco.

Olha nos meus olhos úmidos, seu covarde! Veja essas lágrimas, elas desabam –como chuva ácida- por cima de tuas cartas. A corrosão é rápida; linha a linha, apaga cada declaração, cada promessa: questão de tempo até que teu último “eu te amo” torne-se ilegível.


E não me olhes, depois, nunca mais.