sábado, 22 de novembro de 2008

O estilhaçar do cristal.

Por trás de cada cicatriz há uma história.
A minha, encontra-se proeminente na alma, gravada a finco por todas as mágoas. Cada uma das irregularidades arde, dói.
Foram todos aqueles dias, embriagada nas tuas palavras ilusórias e na esperança de teu ombro, teu colo, teu consolo. As repetidas vezes que, minha imaginação, fez tuas as mãos que me eram estendidas. As semanas em que minha presença lhe era descartável, invisível, supérfula.
Eu te juro, podia sentir a pá que enfincava-se na minha superfície, cada dia mais fundo. Ela jogava, então, tudo pro ar: meus sentimentos eram amontoados num canto. Desviar do monte ou fingir que não o vê –pisotear, isso sim-, apesar de insensível, é mais fácil do que sofrer junto, eu sei. Só que meu poço de lágrimas secou, e minha alma continua incompleta e machucada, porém a cicatriz já nem sangra -tanto. A espera por ti me flagela e cansei de estar vulnerável.
Por trás de cada cicatriz há uma dor.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Palavras são capazes de preencher vazios, porém o tempo continua corroendo tudo que vê pela frente. Em teimosia, remendo cada cavidade gravada em minha alma com os fios tênues dos teus períodos sonoros – tão ríspido aos meus ouvidos. Toda a estupidez servia para materializar tua ausência e de alguma forma, manter-te viva.
O sonhador cochilara, de novo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Desilusão.

Sinto-me como um vira-lata a farejar qualquer canto em busca de algo verdadeiro. Apenas consigo encontrar os odores do passado e reacendo-os: reviro cada abraço, cada palavra, cada alma. É somente em minha memória que continuam vivos, conformei-me.
Preciso agora de verdade concentrada, injetada nas veias -nem que seja sintética. Qualquer coisa que me livre dessa dependência da sinceridade e constância alheia.
Juro que sabia que nada seria eterno, porém idealizar sempre foi a pior das minhas manias. Elis já alertara-me: o sonhador tem que acordar. Cedo ou tarde.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Bússola.

O sol poente a observava de longe e emprestava-na seus últimos instantes de luz. Seu tempo havia acabado: não poderia ali permanecer inerte para sempre. Seus pés, independentes, a guiavam para qualquer lugar a fim de afastá-la do turbilhão de pensamentos que há tantas horas a hipnotizavam. Já perdera tempo demais com a autoflagelação.
A sua culpa ofuscava no céu –abandonada- em meio às primeiras estrelas e bem como elas, continuaria a brilhar mesmo que morta estivesse. Precisaria ainda de seu brilho para, então, orientar-se.

domingo, 12 de outubro de 2008

Requisição.

O assovio dos pássaros que recém acordavam e a luminosidade -em tons alaranjados- do clarear daquele novo dia resgataram as palavras que encontravam-se presas em sua mente. Arrependida, a brisa suave devolvia tudo que outrora havia dela roubado.
E o som que antes conseguia ecoar em seu corpo, abafara-se: já não estava mais oca.

domingo, 28 de setembro de 2008

Sangue do teu sangue.

Então pudera ver que ali, diante de tanta maturidade e tantos anos sobre as costas, jazia apenas mais uma criança, bem como a que existia dentro de si mesma. Estava a sua frente gritando, silenciosa e discreta -como era de seu feitio- por abrigo, atenção, diálogo, compreensão.
Os mesmos medos e anseios gravados nas retinas, o mesmo desejo dentro da alma. Nas lágrimas contidas diluíam-se as fraquezas e os temores, iguais. E aquilo que mais criticara estava ali, vívido nas duas, dividiam grande parte dos genes, dos cromossomos: eram tão parecidas. Entendeu o sentido de tanta repulsão.

domingo, 21 de setembro de 2008

Latência.

Seus ombros continuavam a latejar, mesmo depois de livrarem-se da pesada bolsa. A ardência lhe era insuportável e lhe enrijecia o corpo. Nem se dera ao trabalho de acender as luzes –conhecia cada canto daquele cômodo, mesmo em meio à escuridão- e desabou sobre os lençóis ainda desarrumados. Apenas deixou-se permanecer ali, escutando o barulho urbano que lá fora ecoava.
O ronco repentino dos motores dos carros conturbavam seus pensamentos e os faziam vultos em sua mente. Era incapaz de decifrar algo além de borrões através daquela turgência. Contraía as pupilas tentando ver algo além daquilo que sua visão lhe permitia. Lutava contra suas próprias limitações, como sempre havia sido. E sabia, no fundo, que de nada adiantaria qualquer esforço ou tentativa.
Só o tempo teria o poder de retirar a neblina e fazê-la ver em translúcido.

domingo, 14 de setembro de 2008

Insônia.

Permanecia deitado inventando diversas posições, embora nenhuma lhe parecesse confortável o suficiente. Pudera então notar o cansaço do longo dia sobre sua lombar, já não tão jovem quanto antes. As pupilas pesadas piscavam lentamente visando o tão esperado descanso.
Lá fora, o silêncio noturno instalava-se. Como odiava a afonia! O tic-tac do relógio tornava-se a cada minuto mais insuportável; sua respiração; mais profunda e os pensamentos; mais intensos. A voz da consciência lhe zumbiu aos ouvidos, aproveitando-se de sua vulnerabilidade.
Desenterrava seu passado, quanto mais tentava esquecê-lo. Não importava quão cansada sua alma encontrava-se, seus pensamentos estavam ativos, e ele já não conseguia controlá-los. Mantinha os olhos cerrados e sentia aos poucos o estado de dormência em suas extremidades ir esvaindo-se, até encontrar-se, enfim, um corpo completamente inerte e submerso em seu pesadelo. Seu corpo cedera ao cansaço e entregara-se.
E a voz da consciência lhe zumbia aos ouvidos...
Sacolejava à medida que seu sono tornava-se mais profundo. Revivia e alimentava suas angústias e frustrações, todas as noites. E de repentino era despertado pelo estridente alarme do despertador, que o convidava a vencer mais um longo dia. E novamente, apenas suas fraquezas encontravam-se revitalizadas.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Errante desejo.

As gotas da chuva a hipnotizavam e cada batida contra o vidro parecia um chamado. As lágrimas invejosas teimavam em escorrer em sua face, imitando as gotas sobre a janela. Desejava poder molhar-se aos poucos, a fim de que a chuva pudesse deixar aquilo tudo ir embora.
Lá estava ela, olhando por detrás do vidro como se fosse uma prisão. E era assim como sentia-se naquele momento: presa entre pensamentos que de tão incomuns, parecia não pertencerem a ela. Não conseguia explicar de onde haviam brotado ou o que acontecera. Sabia, apenas, que deixara para trás um pouco de si e agora tudo desabava, escorria, molhava.
Já não sentia o vento nem a chuva como antes, mas aquela nova sensação a agradara. As coisas já não possuíam o mesmo sentido e algumas pareciam não mais encaixar-se. A vontade louca de fugir sozinha para longe ainda pairava sobre sua cabeça, porém ainda sentia-se presa a algumas de suas velhas teorias.
Correria sem rumo, como que para escapar da tempestade que formava-se dentro de si e só pararia quando a chuva também cessasse. Estaria, enfim, perdida o suficiente para ser encontrada. E esperava que assim fosse.

sábado, 6 de setembro de 2008

A menina e o cristal.

O cristal escapara-lhe das mão num momento de descuido e nada conseguiria agora, anular o efeito da gravidade. A partir daí, seriam corpos independentes, não mais vistos como um sistema. Ela era apenas a garota e este, mais um ponto material –livre- no universo. Já nada tinham em comum.

Os segundos seguintes, o da (em) queda livre, lhe foram eternos. Como aquele pedaço de vidro lhe era importante! Oscilava entre suas diversas cores, mudando de repentino e nunca seguindo uma seqüência lógica. Quantas novas tonalidades o vidro lhe apresentara –até aquelas que pensava nem exitir- e com elas colorira grande parte de seu mundo. Aqueles segundos, eternos.

O sutil ruído do impacto lhe tilintou aos ouvidos, trazendo-a de volta para o presente. A dura realidade lhe escorreu aos olhos, trincando-lhe a face, úmida por suas lágrimas. Na superfície do vidro, a mesma rachadura: ainda estavam em sintonia. Embora lascado, o cristal ainda escondia dentro de si o espectro infinito das cores que tanto fascinavam-na.

Aquele dia pudera então entender o significado da palavra incondicional.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Refúgio.

A chave encaixa-se perfeitamente na fechadura, e receosas, as mãos hesitam alguns instantes antes de girá-la definitivamente. A porta range: aquela fora, de todas que recebera ao longo do dia, a mais sincera das saudações.

Estava, enfim, em casa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Melancolia eterna.


A neve caía fina, do mesmo modo que suas lágrimas. Estava ele ali, parado ao parapeito da janela –joelhos e olhos cansados- apoiando todo o peso de seus pensamentos na bengala, tão velha quanto seu corpo. O azul cintilante de sua íris brilhava ao fitar a imensidão branca que lá fora instalava-se. Era quase real.

Fazia um ano que, daquela mesma vidraça, ele havia atirado-se. Não sei ao certo se desistira de viver ou se, apenas, buscava viver em um outro lugar. Seus olhos esperançosos me levam a duvidar da primeira opção. Soube que fora deste modo que passara seus últimos dias, observando o nada com olhos fixos e lágrimas que lhe escorriam pela face, desviando de cada ruga. Até, por fim, desembocarem no ar, sem rumo. Percebera que aquele também era seu destino.

Contudo, continuava voltando para os pés da janela, como se repetisse sua última cena todas as noites. Permanecia ali, parado, olhando a neve acumular-se no chão com um sorriso úmido nos lábios. Tive então certeza: ele não desistira.

sábado, 23 de agosto de 2008

E não pararia, por nada.

Corria sem rumo; lágrimas e pés sincronizados. Cada metro superado fazia relembrar-se de algum momento de sua vida. Conseguia sentir a evolução em sua pele, corpo, mente. Não era concreto, mas estava ali, assim como o vento que soprava em seus cabelos. Sentia suas pernas mais compridas à medida que suas lembranças se tornavam recentes. Pudera então ver: quanto crescera! Sem ligar para a fadiga e para os medos que surgiam, ela continuava a correr. Os olhos fixos; a mente, longe. E não pararia... por nada.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Alforria.

Olhara aquela imensidão azul durante muito tempo. Sentia-se pronta: era a sua hora de voar. As asas pareciam firmes, assim como o vento, que a encorajava em assovios. Podia ver muitos outros, planando por entre as nuvens, fazendo aquilo parecer a coisa mais simples. E talvez realmente fosse.
Quem sabe seu triste destino fosse mesmo a vida mundana, com os pés bem firmes rente ao chão. Continuava estática, sentindo o sangue frio e latejante esvair-se entre as veias, espalhando por todas as suas extremidades o desejo de, também, ser livre.
Enquanto sentia seus pés trêmulos fixos sob o solo, mal percebia que sua mente a tantos já voava, sem medo. Um vôo ora rasante ora leve, de quem não sabe onde quer ir ou aonde pretende chegar. Sem nem perceber, voava constantemente e por isso sonhava e ansiava tanto. Sabia como era a emoção de não ter nada em que apoiar-se, de sentir o vento guiar. Era como se já tivesse feito isso um dia, e de fato, já havia.
Sem hesitar, abriu suas asas e vôou em direção ao sol, que brilhava intenso e motivadoramente. E quem avistasse de longe, ficaria também a imaginar se seria assim, tão simples como parece.